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Segurança Protetiva: Uma Visão Sociológica Pragmática

Márcio Saldanha

 

Resumo

Este artigo propõe uma reflexão sociológica e pragmática acerca do conceito de Segurança Protetiva, situando-o no contexto da Segurança Institucional, especialmente no âmbito socioeducativo. Parte-se do entendimento de que a Segurança Pública, conforme estabelecido no artigo 144 da Constituição Federal de 1988, constitui não apenas dever do Estado, mas também direito e responsabilidade de todos. A análise se fundamenta na articulação entre aspectos históricos, culturais e normativos, dialogando com a teoria das necessidades humanas de Abraham Maslow, o princípio do Uso Diferencial da Força e a abordagem da Comunicação Não Violenta de Marshall Rosemberg, destacando a centralidade da segurança como condição estruturante para a autorrealização institucional. Por fim, defende-se que a Segurança Protetiva representa um princípio elementar e uma diretriz fundamental para a consolidação de ambientes mais seguros, éticos e orientados ao desenvolvimento humano em diferentes contextos institucionais. O artigo é fundamentado na experiência do autor enquanto agente socioeducativo, instrutor de segurança protetiva e gestor na área de atividades operacionais e treinamento no serviço público.

 

Palavras-chave: Segurança Pública; Segurança Protetiva; Segurança Institucional; Socioeducação; Uso Diferencial da Força; Direitos Humanos.

 

1. Introdução

A Segurança Pública, tradicionalmente vinculada à atuação de forças policiais, requer, na contemporaneidade, uma abordagem mais abrangente e integrada. O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 dispõe que a Segurança Pública é dever do Estado, mas também direito e responsabilidade de todos os cidadãos, o que implica uma compreensão ampliada de seu alcance e uma corresponsabilidade social na construção de espaços coletivos seguros, justos e solidários.

Apesar desse avanço normativo, a sociedade brasileira ainda manifesta considerável receio em relação às atividades de instituições de segurança. Tal percepção pode ser atribuída ao legado histórico do regime militar (1964–1985), período marcado por práticas autoritárias, centralização do poder e supressão de liberdades civis. Como resposta a esse contexto, o processo constituinte de 1988 buscou, com ênfase, garantir os direitos e as liberdades fundamentais, por vezes de forma extensa e protetiva.

No entanto, observa-se, desde então, um crescimento persistente da criminalidade e da sensação de insegurança no cotidiano dos cidadãos. Tal fenômeno, aparentemente paradoxal, suscita questões complexas: como um processo de redemocratização, pautado na ampliação de direitos, pode coincidir com o aumento da violência e da desordem social? Como valores como liberdade, igualdade e fraternidade têm, contraditoriamente, coexistido com o medo e a vulnerabilidade? E, ainda, de que maneira a sociedade, direta ou indiretamente, contribui para a reprodução de práticas criminosas e atos infracionais?

 

 

2. Segurança Institucional e a Base da Autorreferência Organizacional

Para responder a essas indagações, é necessário reconhecer que o cenário contemporâneo demanda novas abordagens de segurança, em sintonia com as transformações sociais, culturais e tecnológicas do século XXI. Nesse contexto, o conceito de Segurança Institucional adquire centralidade como uma técnica especializada voltada à salvaguarda das estruturas organizacionais, da integridade de seus servidores e da consecução de seus objetivos institucionais.

Trata-se de um modelo de segurança específico, adaptado à natureza e à finalidade de cada organização, cuja função vai além da contenção de riscos físicos, abrangendo também a promoção de ambientes organizacionais mais saudáveis, funcionais e eticamente orientados. Assim, o termo Segurança Institucional refere-se a um conjunto de ações planejadas, preventivas e alinhadas às diretrizes estratégicas de cada instituição, orgão ou setor, tendo em vista o mapeamento de suas vulnerabilidades em conjunto com a excecução de planos ação e protocolos de específicos.

Nesse sentido, destaca-se que a elaboração e a gestão da Segurança Institucional devem partir, prioritariamente, de servidores da própria instituição. São esses profissionais — conhecedores do cotidiano, das rotinas operacionais, das interações humanas e das fragilidades contextuais — que estão mais aptos a identificar vulnerabilidades específicas, propor soluções viáveis e promover medidas compatíveis com a realidade concreta do seu setor. Essa perspectiva valoriza o conhecimento prático-institucional e assegura maior aderência entre os planos de segurança e os objetivos organizacionais.

Esse modelo institucional dialoga com a teoria das necessidades humanas proposta por Abraham Maslow, psicólogo humanista norte-americano. Segundo sua concepção, a motivação humana se estrutura em uma hierarquia de necessidades, representada em uma pirâmide: na base estão as necessidades fisiológicas, seguidas pelas necessidades de segurança, pertencimento, estima e, no topo, a autorrealização. Transposta para o campo organizacional, essa lógica indica que nenhuma instituição pode alcançar níveis elevados de desempenho, inovação e propósito — ou seja, sua autorrealização — se não garantir, antes, condições básicas de segurança física, emocional e operacional aos seus membros.

Nesse contexto ampliado, o conceito de Segurança Protetiva desponta como uma inovação relevante no campo da Segurança Pública, na medida em que propõe uma lógica protetiva, participativa, desenvolvimentista e não somente repressiva. Ao articular servidores, órgãos de segurança e cidadãos em torno de uma cultura de proteção, diálogo e prevenção, a Segurança Protetiva torna-se elo fundamental na construção de instituições mais humanas, resilientes, seguras e em harmonia com suas metas institucionais.

 

 

3. Segurança Protetiva como Princípio Estruturante no Âmbito Socioeducativo

No campo da socioeducação, a complexidade das relações entre adolescentes em conflito com a lei e os agentes públicos impõe desafios específicos que exigem estratégias de intervenção qualificadas, bem como técnicas de comunicação e contenção que sejam ao mesmo tempo mais eficientes e mais humanizadas. Nesse contexto, a Segurança Protetiva se consolida como um princípio estruturante da Segurança Institucional Socioeducativa, assumindo um papel que vai além da dimensão meramente operacional. Ela se inscreve como eixo fundamental para a construção de práticas seguras, éticas e promotoras de direitos, contribuindo para o fortalecimento de vínculos, a prevenção de conflitos e a promoção de ambientes mais justos e acolhedores para todos.

O termo Segurança Protetiva teve sua origem no Projeto Político-Pedagógico das Unidades de Internação do Distrito Federal de 2012, como uma resposta metodológica e ética à necessidade de construir práticas de segurança fundamentadas na dignidade da pessoa humana, na corresponsabilidade e na proteção de todos os envolvidos no processo socioeducativo. Desde então, o termo passou a ser difundido como referência para o desenvolvimento de políticas de capacitação voltadas à proteção através da técnicas de prevenção e técnicas de contenção sob a égide do uso diferencial da força em situações necessárias.

No contexto de instituições que operam em situações de risco, como o sistema socioeducativo e outras setores sensíveis da administração pública, a Segurança Protetiva também incorpora o conceito do uso legal da força, entendido como a aplicação escalonada, seletiva e proporcional, restrita às situações em que se revela estritamente necessária para garantir a integridade física de terceiros, do próprio agente público ou da própria ordem institucional. Esse princípio pressupõe formação técnica, preparo emocional e avaliação criteriosa do contexto, em consonância com diretrizes legais e éticas de proteção dos direitos humanos.

Complementarmente, essa prática deve ser integrada a abordagens como a Comunicação Não Violenta, que valoriza a escuta ativa, a empatia e a construção de soluções baseadas no diálogo. Ao combinar o uso técnico da força com habilidades comunicacionais e pedagógicas, a Segurança Protetiva ganha maior legitimidade social e efetividade operacional. Portanto, mais do que um conjunto de protocolos, a Segurança Protetiva configura-se como uma doutrina orientada à promoção da vida, à defesa da dignidade humana e à preservação de vínculos institucionais pautados no respeito mútuo. Sua aplicação exige a adoção de práticas preventivas, baseadas na mediação de conflitos e na construção de uma cultura institucional operacional e pedagógica.

Esse modelo está plenamente alinhado aos marcos legais nacionais como o artigo 144 da Constituição Federal e as diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que preveem o uso da força somente casos de necessidade, sempre de forma proporcional, necessária e adequada, respeitando os princípios dos direitos humanos e da doutrina da proteção integral, assim como os procedimentos, protocolos e fundamentos doutrinarios básicos da segurança operacional estatal.

 

4. Considerações Finais

A análise proposta demonstra que a segurança, compreendida sob uma perspectiva sociológica e institucional, deve ir além de respostas imediatistas, repressivas ou centradas exclusivamente em forças policiais. A Segurança Pública é um valor coletivo, cuja efetividade depende da articulação entre Estado, sociedade civil e instituições públicas.

A Segurança Institucional, quando pensada como técnica especializada e ética, oferece às organizações um caminho para a proteção eficiente e legítima de seus ativos, estruturas e pessoas, respeitando os valores democráticos e os direitos fundamentais. No interior desse modelo, a Segurança Protetiva, sobretudo, emerge como estratégia de prevenção, cuidado e desenvolvimento humano.

Ao garantir segurança em sentido amplo, física, moral, psicológica e organizacional, instituições tornam-se capazes de alcançar sua autorrealização, conforme propõe Maslow, consolidando-se como agentes efetivos de transformação social. Nesse processo, a segurança deixa de ser apenas um fim em si mesma e passa a atuar como um meio fundamental e estratégico tanto para o desenvolvimento institucional e como para o humano.

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